19 de mar. de 2011

Dia de chuva

Silêncio pra acordar, fez o mesmo ritual
Numa ducha de cotidiano, um plano matinal
Café com pão, pegou no chão e leu o jornal
Diz que não, diz que não, não é nada pessoal.
Acende a luz que é pra iluminar o quarto
Li teus textos um por um, cada vez mais abstratos
O mar não tá pra peixe, o louco se jogou no couro
Tatuou em corpo a filha, em cima escreveu socorro
O tempo aproximou um mundo de questionamento
Na cabeça martelou, martelou sofrimento.
Desligou a webcam, andou quase a noite inteira
Foi geladeira-quarto, quarto-geladeira
É só poeira, deixa como está pra acumular lembrança
Na pratileira ainda está lá, um prato pra ganância
Um bilhete premiado, e se eu morri, dá meu carro
O resto é pra minha filha e vai junto com um recado
Eu estou sufocado, mãe, filha, teu pai te ama
Só acredita em você, por que até quem ama engana
Não deixa nada te amargar demais seu coração
Lembra, a busca é pela afirmação, legitimação
E que o resto é consequência, mesmo que eles digam não
Nunca esquece que tu tem escolha, nega servidão
Se mantenha intacta, vão tentar te envenenar
Cuidado até com o espelho, o mal é subliminar
Buscou um ponto de equilíbrio, olhou pela janela
Adimirou tudo em volta, a incerteza nunca espera.
Fez as pases com religião, família, ex-mulher
Leu de vida após a morte, vai que vira, cai em pé.

Garfo com colher e faca, copo com garrafa
Eu tô catalogando a casa, pra ver se essa merda passa
Prato e taça, até cadeira, quadro e armário
Aquele som lá de fora, vem com gosto de trabalho.
Votos de vencer sem planos pra vitória
Foto em calendário, em cada caixa uma história
Eu guardo bem minhas palavras, são poucas mas eu guardo
Uma letra, uma anotação e um porta-retrato
Toca-disco e televisão, resignação
Pensei no Marvin Gaye, tipo premeditação
Never Mind, Kurt, eu fui falar veio tudo
Eu tenho um filme pra entregar, eu sei, abandonei o estudo
Eu vou fazer o que da vida? pensa, analisa a cena
Não basta minha família e dinheiro, eu sou problema.
Já percorri a sala, chorei, fui na sacada
Olhei, desci de elevador, depois subi pela escada
Com vizinho tramador à cada porta e corredor
Comprimentei cada um, como, vibe de amador.
Com o futuro escrito à mão por mim, o que é que me faltou?
Tive com a felicidade bem aqui, me escapou.

Terceiro ato, quem te viu, viu a imagem da esperança
Puro na ilusão, ancioso igual criança
Exitante, obscuro, o medo te fez refém
Sem obstinação, meio mal, meio bem
Numa corda bamba, tendencioso pro pior
Falou com o Jorge Ben enquanto conferiu no nó.
Largar mão de tudo é foda e ao mesmo tempo covardia
Orou foi pra São Jorge, nessa hora, quem diria
Tomou um copo d'água pra perpetuar a rotina
Num estado de elevação que te contamina.
Será que vale a pena? dúvida sacode a mente
Verdade pra valer, tem que ser contundente
E se não for, vira greve de fome do garotinho
Tentação, vai embora, anda, sai do meu caminho.
Eu não posso fraquejar, agora eu tenho que ser sujeito
A culpa invade porta adentro e crava no meu peito.
Um passo à frente, e pra descer tem que cair
Um passo à trás, e os inimigos vão me perseguir.
O sol bateu no rosto, eu dosei na tristeza
O mundo não ficou cruel, sempre foi por natureza.
Trava o pé, sua mão, embreagado de incerteza
Um passo pra libertação, momento de clareza.
Eles querem me persoadir, sem deixar sequela
Eles querem integração assim, murando a favela.
Aqui não.
Se eu voltar, vai ser eu com meus motivos
Como eu vou olhar meu pai assim? Eu nunca mais consigo
Parece simples, mas é meu nome que tá aqui
Tenho mais a perder se eu voltar, que se eu seguir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário